1 em cada 4 enfermeiros está desempregado no Brasil: ‘Não tem vaga suficiente’

Publicado em 30 de setembro de 2024
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Arielle Oliveira concluiu a graduação em Enfermagem há pouco mais de um ano na Universidade Federal do Ceará (UFC). Recém-formada, no entanto, conseguir emprego na área se tornou uma missão praticamente impossível.

Para evitar o desemprego, ela aceitou, no fim de agosto, a proposta para ser professora de Saúde Coletiva em curso técnico de enfermagem. O trabalho é em meio-período, e apesar de ter certa correlação com a graduação da enfermeira, nem de longe reflete a preparação acadêmica ao longo da formação.

Apesar de onde trabalho eles aceitarem somente enfermeiros para dar aula, não é a assistência em si, onde a gente é treinado na faculdade. A gente é treinado para atuar dentro de hospitais, postos de saúde. É diferente de tudo o que já fiz na minha vida, pensei ser algo que não faria ou me daria bem, mas foi a oportunidade que surgiu e eu agarrei, estava há um ano parada e não queria ficar mais tempo parada. As contas vão chegando.

Arielle Oliveira

Enfermeira e professora de Saúde Coletiva

“Não sei como vai ser daqui para frente, penso que os enfermeiros vão ter que migrar para outras áreas ou começar a empreender, porque nos hospitais está difícil”, lamenta.

Situação difícil para a enfermagem em todo o Brasil

A percepção de Arielle Oliveira não é única e reflete um panorama mais extenso e complexo pelo País. É o que indica o levantamento do Instituto Semesp divulgado em setembro deste ano.

A pesquisa aponta que aproximadamente 25% dos egressos do curso de enfermagem não estão exercendo qualquer atividade remunerada no momento, isto é, estão desempregados. A taxa atinge principalmente aqueles com menos de cinco anos de formação.

Ocupação por profissão

O ranking ainda traz outros dados importantes. A maior desocupação está no curso de História, onde 31,6% dos egressos não está em qualquer emprego. Relações Internacionais e Serviço Social aparecem na sequência, com 29,4% e 28,6%, respectivamente, de formados desempregados.

Cursos com maior taxa de formados desempregados

Enfermagem é o 5º curso da lista, com quase 1 em cada 4 formados sem ocupação remunerada

 

História 31,6%

 

Relações Internacionais 29,4%

 

Serviço Social 28,6%

 

Radiologia 27,8%

 

Enfermagem 24,5%

 

Química 22,2%

 

Nutrição 22%

 

Fonte: Instituto Semesp

Já na ponta oposta, na relação entre cursos com maior empregabilidade entre os formados, está a Medicina. Segundo o estudo, 92% de todos os egressos da graduação estão empregados na área. Farmácia (80,4%) aparece em segundo lugar, e Odontologia (78,8%) em terceiro.

 

Cursos com maior taxa de formados empregados

Medicina, com cerca de 9 em cada 10 formados empregados, é a campeã da empregabilidade entre os egressos

 

Medicina92%

 

Farmácia 80,4%

 

Odontologia 78,8%

 

Gestão da Tecnologia da Informação 78,4%

 

Ciência da Computação 76,7%

 

Medicina Veterinária 76,6%

 

Design 75%

 

O que explica a dificuldade em empregar enfermeiros?

A equipe multidisciplinar que geralmente atua em unidades de saúde tem na figura do enfermeiro o canal de relacionamento entre paciente e famílias. “O médico lida mais com a doença, prescreve as medicações e tratamentos, e nós da enfermagem é quem botamos a mão na massa diretamente com o paciente”, explica Arielle Oliveira.

Uma das razões que explicam a alta taxa de desemprego entre os formados nos 1.668 cursos de enfermagem existentes no País, segundo dados de 2021 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), é justamente a abundância de graduações.

“Existem muitas faculdades que formam enfermeiros hoje em dia. Todo semestre sai muito enfermeiro para o mercado de trabalho, mas não tem vaga suficiente. Quando tem, quer experiência. Como vamos ter experiência se não dão oportunidades?”, dispara Arielle Oliveira, que ainda acrescenta que a demanda atual é insuficiente para a quantidade de formados.

“Tem enfermeiros formados há dois, três anos que não conseguiram nada. Os técnicos de enfermagem atendem a uma grande quantidade de pacientes. O hospital emprega mais técnicos do que enfermeiros. Se a gente estiver em uma enfermaria com 30 pacientes, por exemplo, dois enfermeiros são suficientes. Além de ter poucas vagas, tem enfermeiros que já estão na área há muitos anos e não querem sair, enfermeiros que têm dois, três empregos, que saem de um plantão e vão para outro”, diz.

A questão do piso da enfermagem

A presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Ceará (Senece), Telma Cordeiro, ainda aponta que a definição do piso nacional da enfermagem, regulamentado em 2022, prejudicou a contratação de profissionais.

Tivemos o nosso piso instituído, mas ele foi totalmente desviado em relação ao que seria dar uma melhor condição de vida para os enfermeiros. A dificuldade de arranjar emprego sendo iniciante antes do piso já era grande, porque as empresas sempre querem alguém com experiência. Antigamente a gente tinha o mercado mais aberto para o estagiário dentro da enfermagem, mas isso se complicou com os anos em função de baixarem os valores.

Telma Cordeiro Presidente do Senece

Como permanece pendente de regulamentação detalhes como o índice que vai reajustar o piso da enfermagem, Telma Cordeiro volta a criticar a definição de um teto para a enfermagem, o que, conforme ela, afeta que profissionais se aloquem no mercado de trabalho.

“As instituições particulares não querem pagar esse piso, e isso complicou muito, porque quando se falou de piso, as instituições particulares aumentaram a carga horária dos enfermeiros, plantões, mas até hoje, está na luta pelo piso. Tudo se complicou. Piorou muito mais em relação a emprego, como a gente já vinha com essa dificuldade. Esse piso atrapalhou demais os enfermeiros”, classifica.

Já o professor do departamento de Economia Agrícola da UFC, Vitor Hugo Miro, defende que “a média salarial dos profissionais de enfermagem é inferior ao piso” no Brasil, o que cria maior competitividade pelos postos de trabalho.

“A fixação do piso salarial pode se traduzir em maiores custos para contratar e manter estes profissionais. Seja por parte das empresas, seja por parte dos entes públicos, é esperado que eles se ajustem em razão do aumento nos custos. Assim como em qualquer profissão, a concorrência pelos postos de trabalho que são mantidos se torna ainda mais acirrada”, pontua.

Na correlação de trabalho entre médicos, técnicos de enfermagem e enfermeiros, o professor da UFC afirma que as duas primeiras profissões tendem atualmente a criar maiores vagas, situação justificada pela necessidade do mercado de saúde.

“No caso dos médicos, o mercado para estes profissionais no Brasil ainda possui algumas particularidades importantes. No Brasil existe uma demanda muito maior do que a oferta por estes profissionais, principalmente em razão da escassez de profissionais especializados. O mercado de trabalho para médicos possui uma dinâmica de ocupação diferente, com grande composição de profissionais autônomos e organizações de classe com elevado poder de barganha”, arremata.