Sem vagas atrativas, baixa remuneração e dupla jornada de trabalho, a realidade da enfermagem.

Publicado em 11 de março de 2024
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Na Upa Leste são dois plantões semanais de 12 horas. Na UPA Centro-Sul, seis horas de expediente. Em plena epidemia de dengue, cerca de 400 pessoas passam por dia apenas em uma das unidades. Falta equipe, sobra cansaço. A rotina exaustiva da enfermeira Sarah de Freitas, de 25 anos, é a realidade de muitos outros colegas da área. Em Belo Horizonte, são 260 mil profissionais, entre enfermeiros, técnicos, auxiliares e atendentes. Para se manter, os trabalhadores têm enfrentado uma dupla jornada a fim de garantir uma melhor remuneração no final do mês. Enquanto isso, muitas instituições da capital ficam meses à procura de profissionais para integrar o quadro de vagas pouco atrativas.

A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) divulga, quase semanalmente, novas oportunidades para enfermeiros nos hospitais da rede, mas o salário inicial é bem abaixo do piso nacional estipulado em 2023, de R$ 4.750. Para alcançar o piso, o governo do Estado acaba incluindo outros benefícios, sendo acusado pela categoria de estar “maquiando” a remuneração.

A reportagem de O Tempo encontrou muitas vagas ofertadas no setor. No site da Rede Mater Dei há 33 anúncios ativos para enfermeiros e 51 para técnicos em enfermagem. No portal da Unimed são quatro vagas, algumas com regime de trabalho de 12 x 36, que estão abertas há mais de 15 dias. As instituições foram consultadas pela reportagem sobre o quadro de funcionários e oportunidades, mas não divulgaram informações. No Banco Nacional de Empregos (BNE) são 58 vagas para profissionais da área.

Atualmente, a média salarial de um profissional de enfermagem do Estado é de R$ 3.334,11 para um carga horária de 40 horas semanais, segundo dados do portal da transparência do governo de Minas. Neste caso, entrariam também os técnicos e auxiliares. Uma oportunidade para enfermagem anunciada em fevereiro para o Hospital Júlia Kubitschek, da Fhemig, por exemplo, oferece R$ 3.812,95 de salário inicial.

A reportagem de O Tempo encontrou muitas vagas ofertadas no setor. No site da Rede Mater Dei há 33 anúncios ativos para enfermeiros e 51 para técnicos em enfermagem. No portal da Unimed são quatro vagas, algumas com regime de trabalho de 12 x 36, que estão abertas há mais de 15 dias. As instituições foram consultadas pela reportagem sobre o quadro de funcionários e oportunidades, mas não divulgaram informações. No Banco Nacional de Empregos (BNE) são 58 vagas para profissionais da área.

Atualmente, a média salarial de um profissional de enfermagem do Estado é de R$ 3.334,11 para uma carga horária de 40 horas semanais, segundo dados do portal da transparência do governo de Minas. Neste caso, entrariam também os técnicos e auxiliares. Uma oportunidade para enfermagem anunciada em fevereiro para o Hospital Júlia Kubitschek, da Fhemig, por exemplo, oferece R$ 3.812,95 de salário inicial.

Desfalques

Além da baixa remuneração, os profissionais de saúde enfrentam, muitas vezes, a violência de pacientes, insatisfeitos com a demora do atendimento. “A agressão [nas UPAs] não é raridade. Quase toda semana tem esses acontecimentos”, revela Sarah.

Segundo ela, a escala também está sempre desfalcada. “No plantão noturno são três enfermeiros para a UPA toda. A emergência tem que ter um exclusivo e ficam outros dois de descanso. Com a dengue, há muitos atestados [de profissionais]. A coordenação tenta um plantonista extra, mas é difícil de achar. A maioria já trabalha em dois lugares… Mesmo quando estão pagando bem, como Carnaval, que têm abono, há aqueles que preferem não ir, porque a demanda vai ser intensa e o dinheiro insuficiente”, explica Sarah.

Com 20 anos de profissão, Ana Flávia Martins, 43, conta que já nem se lembra quando não teve que enfrentar uma sobrecarga na área de saúde. O ápice incontestável foi a pandemia, mas já houve surto de febre amarela, de sarampo e epidemias diversas de dengue ao longo dos anos.

Atualmente, ela trabalha no Centro Materno Infantil de Contagem. O hospital está com os 39 leitos de pediatria ocupados por conta da dengue e doenças respiratórias que começam a se manifestar no período. São três enfermeiros e sete técnicos de enfermagem no setor.  Para ela, o número de membros da equipe é até razoável e eles conseguem prestar uma assistência de qualidade. “No interior, a gente vê mais isso de um profissional para cuidar de um número gigante de pessoas”, exemplifica.

Ana Flávia alerta que a sobrecarga de profissionais do setor pode levar ao risco de erro. “Você fica mais suscetível e errar na enfermagem é algo que traz uma consequência muito grave. A gente pode colocar em risco a vida do próximo”, diz.

Além do perigo da falha nos procedimentos de saúde, a fadiga de profissionais da área da saúde pode levar ao adoecimento do indivíduo, ela lembra. “Trabalhar sem dormir causa dano. Trabalhar com o ser humano, no momento que ele está mais vulnerável, é difícil. Gera um dano emocional. Nem toda pessoa entende o que é a nossa profissão”, explica.

Troca em busca de qualidade de vida

A enfermeira Adrielhe Corrêa, 37, que vive na cidade histórica de Mariana, trocou recentemente de emprego em busca de uma melhor qualidade de vida. Ela atuava numa clínica de hemodiálise particular e hoje ocupa um cargo na enfermagem do trabalho de uma grande empresa do setor de mineração. “Numa empresa a gente não tem que lidar com pacientes, com vidas… [Não] tem que lidar com perdas. O cansaço que eu tenho reduziu uns 80%. Antes eu ficava com um cansaço imenso, porque era físico e mental”, lembra.

Ela conta que muitos colegas de trabalho estão estudando ou abrindo seu próprio negócio, investindo principalmente em estética facial e corporal, em busca de uma vida com menos estresse. “Na área hospitalar, o serviço é pesado, a remuneração não é boa e você trabalha muito, não tem final de semana, não tem feriado… Muitos hospitais estão pagando o salário normal e aí o piso vem como complementação. Por exemplo: é R$ 2.500 o salário e o restante vem complementado do governo. Só que aí não é em dia, atrasa, tem essas questões também”, conta.

Veja os valores do piso nacional de enfermagem:

Enfermeiros: R$ 4.750

Técnicos em enfermagem: R$ 3.325

Auxiliares de enfermagem e parteiras: R$ 2.375

Proporção de enfermeiros, técnicos e auxiliares é determinada por norma

Uma norma do Ministério da Saúde, da Agência de Vigilância Sanitária e do Conselho Federal de Medicina determinam o dimensionamento correto e seguro da quantidade de enfermeiros, técnicos e auxiliares num setor de um hospital.

 

“O enfermeiro atua na supervisão. O técnico não pode trabalhar sem supervisão. Mas quem presta assistência direta, dá banho, medicação e faz curativos mais simples é o técnico. O enfermeiro faz uma passagem de sonda, uma hemotransfusão… Procedimentos mais complexos”, explica Ana Flávia Martins, também coordenadora do departamento de gestão do inscrito do Conselho Regional de Enfermagem de Minas (Coren-MG)

Solange Aparecida Caetano, presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, explica que o cálculo é feito de acordo com o tamanho da instituição, o número de leitos e de trabalhadores, além do estado de saúde dos pacientes e perfis desses atendimentos.

Segundo ela, não é possível afirmar que existe um movimento de maior contratação de técnicos pelos hospitais para fugir do piso salarial.  “Pedimos um estudo do Dieese para determinar via pesquisa, Rais, qual o número de técnicos e auxiliares de enfermagem para o número de enfermeiros para determinar esta proporção. A princípio, a gente não tem visto este movimento”, explica

Segundo Anderson Rodrigues, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Minas Gerais (SEEMG), em 2020 um levantamento mostrou que haveria um déficit de 17 mil profissionais no Estado. Na época, em plena pandemia, houve uma campanha mundial pela valorização da categoria, mas pouco foi feito desde então, lembra Rodrigues. “A gente precisa que esses profissionais sejam valorizados. [A enfermagem] precisa ser realmente uma profissão cativante para que profissionais venham para categoria”, diz.

No ano passado, a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), que representa a categoria patronal de estabelecimentos privados, anunciou um estado hipotético de 300 mil demissões caso o piso salarial fosse pago. De acordo com Bruno Farias, presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Minas (Coren-MG), se levarmos em conta o número de novos inscritos este ano e a quantidade de vagas disponíveis, observamos que a demanda por enfermeiros, técnicos e auxiliares, segue normal.

Só neste ano, 7.581 novos profissionais se inscreveram no conselho. E o número apenas de enfermeiros passou de 60.123, em 2023, para 62.427 em 2024. “Ao contrário do que diziam, [a demanda] não foi prejudicada pela implantação do piso.”, explica Farias. Segundo ele, o número de escolas também aumentou exponencialmente e, por conta do piso, cada vez mais pessoas tem optado pela enfermagem.

Segundo ele, dados da Central dos Hospitais mostram que quase 600 instituições em Minas Gerais já iniciaram o pagamento do piso da enfermagem. “No setor público, aos poucos, o piso vai se tornando uma realidade. O recurso está garantido e os gestores estão se organizando para fazer valer a lei”, destaca o presidente do Coren-MG.

Solange Aparecida Caetano, presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, porém, afirma que não houve demissão na área, mas também não houve um aumento de vagas significativo. O que aconteceu, segundo ela, foi um aumento da carga horária de trabalho. “Muitos pagaram o piso, mas com jornada de 220 horas, pouco praticada na enfermagem hoje. […] A gente precisa trabalhar a proteção desses profissionais para que eles sejam cuidados. A gente precisa cuidar de quem cuida”, destaca.

A CNSaúde foi consultada pela reportagem de O Tempo, mas até a finalização desta matéria não retornou.

Entenda o impasse sobre o piso da enfermagem

O piso nacional de enfermagem, Lei 14.434, foi instituído em 4 de agosto de 2022 para para enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteiras. Posteriormente, uma emenda constitucional determinou que a União prestasse assistência financeira complementar aos Estados, municípios, o Distrito Federal e entidades filantrópicas, que atendessem, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde para garantir o pagamento.

Com o ajuizamento de uma ação de inconstitucionalidade por parte da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), que representa a categoria patronal dos estabelecimentos privados, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a analisar a legislação.

Em maio de 2023, o presidente Lula sancionou a Lei n.° 14.581/2023, que abriu o Orçamento da Seguridade Social da União em favor do Ministério da Saúde para crédito especial de R$ 7,3 bilhões, garantindo a assistência financeira Complementar aos Estados e municípios para o pagamento do piso.

Em dezembro do ano passado, o STF decidiu que a implementação do piso salarial dos profissionais da enfermagem, com carteira assinada, deve ocorrer de forma regionalizada, mediante negociação coletiva.

O Supremo também definiu que o piso salarial se refere à remuneração global, e não ao vencimento-base, correspondendo ao valor mínimo a ser pago em função da jornada de trabalho completa. A remuneração pode ser reduzida proporcionalmente, no caso de carga horária inferior a 8 horas por dia ou 44 horas semanais.

Para Solange Caetano, da Federação Nacional dos Enfermeiros, a decisão tirou a responsabilidade do empregador privado de cumprir o piso. “Os enfermeiros trabalham jornadas de 180 a 200 horas e, na proporcionalidade, pagam menos do que os R$ 4.750”, explica.